Estudos sobre Design
A importancia de uma identidade visual coerente
O Caso Olivetti
Um dos significados possíveis, pelo dicionário Michaelis, para “Identidade” é “aquilo que contribui para que uma coisa seja sempre a mesma ou da mesma natureza”. Esse significado simples mas direto nos ajuda a compreender como funciona a identidade visual dentro de empresas e como é refletida por meio da arquitetura, logotipo ou do design de seus produtos. Como, por exemplo, a facilidade de perceber que certo lugar ainda em construção será um Mcdonalds, ver um smartphone e, sem ter visto o logotipo, saber que é um iphone ou ainda reconhecer o estilo único de roupas e acessórios da Louis Vuitton. Sendo assim, ao assumir um projeto de identidade para uma empresa, o designer tem a tarefa de encontrar a melhor forma de transformar os valores e anseios dela em imagem.

. Nesse sentido, um projeto de identidade visual não é tão diferente qualitativamente de uma peça de propaganda partidária ou ideológica. Todo projeto traduz relações sociais e econômicas, dentre as quais está inserida a posição ambígua do designer como, ao mesmo tempo, prestador de serviços e consumidor ou usuário em potencial. (CARDOSO,2000)

Foi fundada em 1908, junto com Ivrea como uma cidade industrial e criada como uma área de testes para a companhia e bastante diversa em suas atividades: manufatura, administração, serviços sociais e residenciais. Além da infraestrutura empresarial e industrial luxuosa, grande parte de seus “habitantes” usufruíam de grande quantidade de empregos e salários altos. Hoje em dia, a cidade não funciona mais da mesma forma: os maiores empregadores são dois call centers e o serviço de saúde público.
A partir de 1980 a economia na Itália cresceu muito pouco, há quem diga que inclusive regrediu, e o fato é que 1,2 milhão de empregos desapareceram devido ao fechamento de 120 mil fábricas desde o início do século, segundo a associação empresarial Confindustria. A contextualização dessas perdas talvez se dê pela unificação da Itália como país ter sido muito tardia. Algumas regiões se recusavam a falar italiano, o sul do país era agrícola e muito pobre e o norte era mais rico e bastante modernizado, o que tornou tudo ainda mais difícil pois essa diferenciação tão gritante entre regiões proporcionou uma industrialização e modernização muito lenta, enquanto que as grandes potencias estavam a todo vapor.
Camillo Olivetti foi o engenheiro elétrico que fundou a Olivetti & Co., SpA. que viria a ser presidida em seguida por seu filho Adriano Olivetti. Adriano, nascido em Ivrea, era um engenheiro, político e industrial que acreditava que sua atividade empreendedora deveria ser reinvestida em benefícios para toda a sociedade. E tomado por esse preceito, ele se utilizou do crescimento e modernização que acontecia nessa região para aumentar o alcance da Olivette. Inicialmente, ainda na gestão de Camillo e com apenas 30 trabalhadores, a fábrica se concentrava em equipamentos de medição elétricos, mas ainda em 1908 ela começou a produzir máquinas datilográficas. De certa forma, assim como o resto da industrialização e modernização da Itália, a Olivetti começou um pouco atrasada, pois a Remington, dos estados unidos, já estava produzindo máquinas de escrever a 25 anos.
Então, com todas essas dificuldades, como a Olivetti conseguiu se sobressair tanto no mercado mundial?
Cardoso (2000) diz que na década de 30 a companhia começou a investir fortemente em uma política de design extremamente ligada a padrões estéticos modernistas e começou se adequar às tendências funcionalistas. Nessa época, a preocupação principal da empresa era estabelecer sua posição como uma empresa moderna e evoluída –que se mostrava ser avançada, pois era uma característica bastante prezada no seu segmento– então inúmeros designers foram contratados para reformular peças publicitárias, o design gráfico e a identidade visual da empresa.


Remington, 1935
Lexikon 80 £, 1940
Em 1956, Nizzoli foi substituído por Ettore Sottsass e em 1970 Mario Bellini também se juntou à empresa. Em 1959 a Elea 9003, primeira calculadora italiana, ganhou para a Olivetti o prêmio Compasso de Ouro.

Elea 9003
Inicialmente, esse Modernismo funcionalista foi adotado apenas de forma estilística e não foram feitas alterações no design das máquinas. Mas isso foi mudado quando Marcello Nizzoli foi contratado como consultor. Nizzoli não se envolveu apenas com a imagem da empresa, mas também começou a trabalhar com os engenheiros da empresa, se envolvendo também com o design dos produtos. Esse trabalho em conjunto criou o “estilo olivetti”, como as máquinas datilográficas da série Lexikon, com, agora sim, um design bem moderno e funcionalista - completamente diferente do que as outras empresas faziam- o que foi responsável por deixar a marca bem popular.
Existem alguns casos de empresas que tem pautado a identidade sobre o design em grau extremo ou fora do comum. A multinacional italiana de máquinas e equipamentos de escritório Olivetti é citada frequentemente nesse sentido, principalmente pela forma estratégica com que tem usado o design ao longo de muitas décadas para promover uma imagem de modernidade, eficiência e esclarecimento
CARDOSO,2000
Em 1966 foi lançada a Linea 88, uma Máquina de escrever com teclado mais leve, confortável e silencioso que prometia agradar as secretárias.

Linea 88, 1966
Em 1963, Sottsass criou a máquina de escrever Praxis e criou a Tekne em 1964 Mas 1969 foi comercializado seu maior sucesso que rendeu um segundo prêmio compasso de ouro:
A Valentine.
Chama-se Valentine e foi inventada para ser utilizada em toda a parte, exceto no escritório. A sua finalidade não é evocar a monotonia das horas de escritório, mas fazer companhia aos poetas amadores, que cortejam as musas ao domingo no campo ou para decorar uma mesa de um estúdio, como objeto de cor viva.
Sttosass

A importância de Valentine é ainda mais enaltecida pela sua adição à coleção permanente do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque ainda na década de 70
A principal característica da Valentine é a transportabilidade dela, pois ela também era sua própria maleta: a parte traseira da máquina foi projetada como "tampa" do estojo, incluindo a alça, enquanto a única parte externa é uma caixa bem fixada à máquina.
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A campanha publicitária criada para a Valentine contou com diversos artistas famosos como o próprio Sottsass, Roberto Pieracini e Milton Glaser. O anúncios produzidos não eram puramente informativos como os da época, eles possuíam personalidade, cenários interessantes e a valentine é mostrada como ela é. A As informações sobre o preço e os recursos ficavam na documentação informativa deixando para o anúncio a tarefa de interessar e chamar as pessoas.


Adrianus Van Der Elst também participou das campanhas publicitárias da Valentine completa-mente dedicadas à máquina através de pinturas que mostravam a valentine sendo utilizada.

A Olivetti só não contava com uma coisa: O surgimento e popularização do computador. A companhia trabalhou por muito tempo para construir essa imagem de modernidade e avanço, mas falhou ao não conseguir acompanhar os "avanços da modernidade" e quase desapareceu do mercado. “os críticos mais severos identificam na política de design da Olivetti uma preocupação maior com aparência da qualidade do que com a qualidade em si” (CARDOSO,2000).
Essa situação que aconteceu com a Olivetti me parece muito com o que aconteceu com a Kodak. Durante muito tempo George Eastman, fundador da Kodak, estudou formas de simplificar a câmera fotográfica e conseguiu em 1888 lançar a KODAK, o que tornou a fotografia mais acessível a todos. Eastman inventou, também em 1888, o filme fotográfico e durante muitos anos, graças a esses feitos e as largas campanhas publicitárias feitas, a Kodak se tornou a maior empresa no ramo da fotografia (no final da década de 70 ela dominava o mercado com 90% dos filmes vendidos e 85% das câmeras nos Estados Unidos). Um engenheiro da Kodak, Steve Sasson, inventou a primeira câmera digital, em 1975, que tinha a capacidade de tirar fotos de 0.1 Megapixel. A empresa continuou investido nessa tecnologia, porém não levou as câmeras digitais ao mercado com medo de que isso prejudicasse a venda das câmeras e filmes tradicionais. Apesar de ter sido extremamente inovadora, essa decisão foi péssima, pois apesar de ter as patentes, não ter lançado o produto no mercado permitiu que empresas como a Canon, a Sony e a Fuji se aproveitassem disso para crescer lançando suas próprias câmeras digitais. Vendo por esse lado, assim como a Olivetti, a Kodak teve ideias inovadoras, porém pecou ao não se mover rápido o suficiente para acompanhar as demandas do mercado. Desse modo, as câmeras de filme foram perdendo seu espaço, como as máquinas de escrever perderam para os computadores, e a Kodak até tentou alcançar o mercado, mas, diferentemente da Olivetti, não conseguiu e declarou falência em 2012. A Olivetti percebeu que não estava conseguindo alcançar os avanços no computadores e resolveu apostar em outros dispositivos de escritório, por isso sobreviveu.
Hoje, a Olivetti faz parte da Telecom Italia e comercializa faxes, scanners, caixas registradoras, POS’s e impressoras.
Então, no fim das contas, qual foi o impacto da coerência da identidade visual com a marca?
A Olivetti sabia que já estava atrasada ao entrar no mercado de máquinas datilógraficas tendo que competir com as empresas que estavam firmadas na época. Por isso, ela buscou trazer algo que a diferenciasse das outras e fez disso sua identidade. Os designs modernos de seus produtos atraíram um publico imenso que estava extremamente animado com os movimentos modernistas efervescentes na Europa. Mas apenas se mostrar moderno não é suficiente, é preciso ser. A Olivetti inovou muito nos designs de seus produtos mas não inovou os produtos, então quando surgiu um produto mais moderno, o computador, a máquina datilográfica parecia ser antiga. E conforme o computador evoluía a máquina parecia mais e mais coisa do passado. Não foi bom para a Olivetti ver seu carro-chefe se tornando obsoleto tão rápido, mas e se ela tivesse criado o computador? se eles criassem uma outra máquina tão interessante e moderna quanto?
Texto desenvolvido por Olívia Émile Marinho Batista para a disciplina Introdução ao Estudo do Design – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Departamento de Artes – Bacharelado em Design – Novembro de 2019